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Construção de hospitais de forma emergencial

Entrevista concedida pela arquiteta Mariluz Gomez Esteves à Revista Painel. Nela, a especialista fala das diferenças e dificuldades em construir hospitais em “tempo recorde”, como feito na China.

1. Em sua opinião, como a China conseguiu construir um hospital com capacidade para 1 mil leitos em apenas 10 dias?
As técnicas de construção chinesas são muito mais industrializadas que as nossas, eles fabricam todos os itens que serão utilizados para as diversas construções em linhas de montagem, os arquitetos/projetistas escolhem os itens que vão utilizar e projetam a partir desta disponibilidade. Isto ocorre inclusive com os banheiros, que chegam prontos as obras e são instalados no local. Eles fazem conjuntos habitacionais inteiros de forma muito rápida enquanto nós não construímos uma casa.
Os projetos na China são elaborados em plataformas BIM, nas quais cada item do grande “lego” está numa biblioteca virtual, ou seja o arquiteto escolhe o item e vai montando em 3D o seu projeto, considerando todos os elementos construtivos, reduzindo imensamente os erros de uma construção tradicional, feita através de técnicas construtivas tradicionais.
Pelo que vimos nos vídeos espalhados pelo mundo, eles dispõem de muitos profissionais preparados para a montagem de construções nessa técnica, que mais parece com a montagem de um “lego”, peças prontas que se encaixam e vão formando um todo.

2. Por que a engenharia brasileira ainda não é tão ágil quanto a chinesa?
No Brasil as técnicas construtivas são tradicionais, a tentativa de usar técnicas assemelhadas com as dos chineses se inviabiliza no custo da mão de obra disponível nesses processos de montagem.
Nossa construção civil não está acostumada a trabalhar com itens pré-determinados através de um catálogo. Os arquitetos fazem os projetos de modo convencional, para execução da obra fazem o detalhamento dos diversos ambientes, desenhando como alfaiates que fazem roupa de alta costura, detalhando cada item, que será executado diretamente na obra.
Nossa mão de obra típica da construção civil não está qualificada para uma montagem do tipo “Lego”, onde praticamente ninguém sujas as mãos, pois a maior parte das peças já vem acabada.
Se observamos a montagem dos hospitais de campanha em São Paulo, percebemos que não aparecem os operários habituais na nossa construção, mas sim montadores, com furadeiras e outras ferramentas de montagem. Ou seja, em nossos hospitais de campanha estamos realizando construções a partir de itens prontos e reduzindo assim, o tempo de “obra” à semelhança dos chineses, talvez ainda não tenhamos atingido o mesmo ritmo!

3. Quais as principais dificuldades de uma obra hospitalar?
A maior dificuldade são as instalações, um hospital exige diversos sistemas de instalações complexas, desde os elementos de controle e combate a incêndio, que são absolutamente distintos de uma edificação comercial ou habitacional, até instalações que só existem nos estabelecimentos de saúde, como gases medicinais, vácuo clínico, etc… Sem falar da informatização, atualmente todos os hospitais utilizam recursos da informática nos seus processos assistenciais, alguns mais que outros, mas todos dependem de diversos sistemas, sendo o mais importante o HIS (Health Information System). Esses sistemas interligam todos os processos do hospital, gerando os prontuários de pacientes, controlando os custos, faturando, organizando a logística de apoio a assistência, simultaneamente gerando e fornecendo um sem fim de informações gerenciais. Tudo isso torna a obra hospitalar mais cara e mais complexa que qualquer outra obra do mesmo porte!

4. Construções pré-fabricadas são comuns na construção de hospitais brasileiros?
Não! Construir hospitais de campanha em campos de futebol é uma coisa, fazer um hospital num terreno urbano, acidentado é outra.
Construções pré-fabricadas dificilmente atendem às necessidades específicas das edificações hospitalares, na minha experiência profissional, fizemos várias tentativas de utilizar peças disponíveis no mercado da construção, mas o tamanho das peças disponíveis não atendem a necessidade do projeto hospitalar, a montagem tipo “lego”, se feita com vários pavimentos, não se mostra estável o suficiente para a operação hospitalar.
Se tivermos que fabricar as peças necessárias e ancorá-las para ter a estabilidade necessária a construção se tornará, nas condições atuais da indústria da construção, muito mais cara que a convencional.

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