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Sobre Leitos hospitalares e a necessidade ambientes de isolamento

Praticamente todos os hospitais brasileiros contam com quartos de isolamento, este é um item obrigatório para a aprovação de um projeto hospitalar nos órgãos de vigilância sanitária.
Em geral, nós, arquitetos da área da saúde trabalhamos com três tipos de isolamento, que se diferenciam pelas necessidades específicas das instalações de condicionamento ambiental (ar condicionado) para a proteção dos pacientes, profissionais de saúde e dos demais ambientes hospitalares, são eles:

1. Isolamento de contato, quando a transmissão é por contato entre pessoas e entre pessoas e as coisas. Neste caso, o importante é o uso correto dos EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual) e a existência de pia de lavagem de mãos para a equipe no ambiente, exigências que se mantêm para os demais tipos de isolamento e leitos em geral. Neste caso o ambiente de isolamento não tem necessidade de antecâmara.

2. Isolamento para doenças infectocontagiosas com transmissão aérea, caso da gripe, sarampo, varicela, difteria, tuberculose, doença meningocócica e outras. Para estas doenças a melhor situação é o quarto de isolamento com pressão negativa, ou seja, o sistema de ar condicionado retira mais ar do que entra no quarto, garantindo que esse não contamine os ambientes vizinhos. O ar filtrado que vem através dos insufladores protege o paciente e os profissionais de saúde, seu retorno controlado garante que esses patógenos não passem para os ambientes externos, sendo descartados no meio ambiente após nova filtragem. Neste caso a antecâmara é item indispensável, garantindo a pressão do ar no ambiente de isolamento para que o fluxo de ar desejado se estabeleça e se mantenha.

3. Isolamento para pacientes imunodeprimidos, como transplantados. Nesse caso a pressão do ambiente é positiva para proteger o paciente do ambiente externo que pode afetar a sua saúde. Semelhante ao anterior, mas neste caso com pressão positiva, que mantém a entrada de ar filtrado maior do que a saída, neste caso a antecâmara também é indispensável, garantindo a pressão do ar no ambiente de isolamento para que o fluxo de ar desejado se estabeleça e se mantenha.

É importante ressaltar que a maior parte das UTI’s com o isolamento do tipo 2 e 3, anteriormente mencionados, encontra-se em hospitais escola. Nestes locais se concentram os melhores profissionais de saúde de uma região, a maior disponibilidade de recursos indispensáveis ao ensino de profissionais de saúde, fazendo deles referência para outras unidades e consolidando em torno deles os polos regionais de saúde. No Brasil, cabe preferencialmente aos hospitais escola públicos a tarefa de lidar com todos os tipos de moléstias infectocontagiosas.
A polêmica sobre a necessidade de leitos de isolamento em Unidades de Terapia Intensiva é menos importante frente a questão maior que é enfrentada pelo país na luta contra o COVID 19: a ferocidade com que se espalha este vírus que provoca uma necessidade desproporcional de internações hospitalares, sendo parte delas em UTI pela necessidade da utilização de respiradores mecânicos.

Nosso país apresenta insuficiência de leitos de todos os tipos em diversos estados, o que faz com que existam proporcionalmente menos leitos de UTI, nossa legislação sanitária obriga que as UTI’s tenham pelo menos 1 isolamento para cada 10 leitos de UTI. Além destes, as unidades de emergência dos grandes hospitais de referência também devem possuir ambientes de isolamento.
O problema é o número geral de leitos! Deste número, a proporção dos leitos de UTI deveria girar em torno de 10% do total. Entretanto, as cidades pequenas em geral não dispõem destes leitos o que leva a transferência destes pacientes para as cidades que são polos regionais, onde estes leitos estão concentrados.
A relação entre os diversos tipos de leitos estabelecida pela legislação sanitária brasileira é de 2,5 leitos/1000hab, sendo que destes, de 6% a 10% devem ser de UTI, e os isolamentos devem representar, no mínimo 10 % destes leitos.

Ou seja, numa cidade de 500.000 habitantes, seriam necessários 1.250 leitos no total, sendo que destes 125 deveriam ser de UTI’s e 12,5 de isolamento nas UTI’s. A pergunta é:
Quantos pacientes internados teremos numa cidade deste tamanho no pico da infecção pelo COVID 19?
Ou seja:
Nenhum país do mundo estava preparado para a ferocidade do COVID 19!

Para apresentar melhor a situação de leitos no país, pegamos emprestado os dados compilados e mapeados pela empresa de consultoria “XVI Finance”, apresentados no Mapa a seguir.
Com é possível observar no mapa (foto deste post), as melhores situações de disponibilidade de leitos no país, acima de 2,5leitos/1000hab, estão em Rondônia – 2,58, Rio Grande do Sul – 2,56 e Distrito Federal – 2,56, as piores estão na região norte e nordeste do país como pode ser observado no mapa abaixo.

Ou seja, nosso problema não são os leitos de isolamento nosso problema é a desproporção da necessidade de leitos em geral imposta pelo COVID 19.
Neste sentido, não importa quantos leitos uma cidade como São Paulo tenha, pois ela receberá pessoas de todo seu entorno. Este é motivo da construção dos hospitais de campanha, que são fundamentais e, como vimos na mídia, alguns são de leitos comuns para paciente de baixa e média gravidade e outros serão para os doentes mais graves que dependem de respiradores mecânicos.

Neste cenário, as equipes de saúde, a disponibilidade de respiradores mecânicos e de EPI,s são muito mais importante que a disponibilidade de leitos de isolamentos, pois o COVID 19, embora bastante contagioso, pode ser detido por isolamento de contato e o isolamento de contato pode ser obtido pelo uso dos equipamentos individuais de proteção: máscaras, protetores faciais, óculos, luvas e aventais, combinados com a frequente lavagem das mãos e uso de álcool gel.

Vale lembrar que o Brasil é um país de tradição na medicina sanitária, que teve início com o jovem médico Oswaldo Cruz, formado no Brasil e treinado como sanitarista em Paris, que se destacou no combate a peste bubônica em 1899 em Santos/SP e outras cidades portuárias. Seu feito mais conhecido ocorreu em 1904, quando ocupava o cargo de Diretor-geral da Saúde Pública e convenceu o Presidente Rodrigues Alves a decretar a vacinação obrigatória, o que provocou a rebelião de populares e militares, que ficou conhecida como Revolta da Vacina!
Nossos hospitais possuem, deste os anos 1990, Comissões de Controle de Infecções Hospitalares (CCIH) que investigam os casos de contaminação e estabeleceram ao longo dos últimos 30 anos procedimentos de controle destas infecções, numa perspectiva totalmente brasileira de país tropical e de poucos recursos.

Portanto, estamos acostumados a trabalhar com uma variedade gigantesca de microrganismos e outros vetores, que o primeiro mundo, acima do trópico de câncer, não tem nem ideia de como lidar no dia a dia! Nosso problema é abrir rapidamente os leitos necessários, nos locais necessários e dispor de equipes médicas bem treinadas, garantindo as melhores condições de trabalhos para estas equipes!

Mariluz Gomez Esteves, Arquiteta de Serviços de Saúde
Diretora Executiva Pró-Saúde

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Construção de hospitais de forma emergencial

Entrevista concedida pela arquiteta Mariluz Gomez Esteves à Revista Painel. Nela, a especialista fala das diferenças e dificuldades em construir hospitais em “tempo recorde”, como feito na China.

1. Em sua opinião, como a China conseguiu construir um hospital com capacidade para 1 mil leitos em apenas 10 dias?
As técnicas de construção chinesas são muito mais industrializadas que as nossas, eles fabricam todos os itens que serão utilizados para as diversas construções em linhas de montagem, os arquitetos/projetistas escolhem os itens que vão utilizar e projetam a partir desta disponibilidade. Isto ocorre inclusive com os banheiros, que chegam prontos as obras e são instalados no local. Eles fazem conjuntos habitacionais inteiros de forma muito rápida enquanto nós não construímos uma casa.
Os projetos na China são elaborados em plataformas BIM, nas quais cada item do grande “lego” está numa biblioteca virtual, ou seja o arquiteto escolhe o item e vai montando em 3D o seu projeto, considerando todos os elementos construtivos, reduzindo imensamente os erros de uma construção tradicional, feita através de técnicas construtivas tradicionais.
Pelo que vimos nos vídeos espalhados pelo mundo, eles dispõem de muitos profissionais preparados para a montagem de construções nessa técnica, que mais parece com a montagem de um “lego”, peças prontas que se encaixam e vão formando um todo.

2. Por que a engenharia brasileira ainda não é tão ágil quanto a chinesa?
No Brasil as técnicas construtivas são tradicionais, a tentativa de usar técnicas assemelhadas com as dos chineses se inviabiliza no custo da mão de obra disponível nesses processos de montagem.
Nossa construção civil não está acostumada a trabalhar com itens pré-determinados através de um catálogo. Os arquitetos fazem os projetos de modo convencional, para execução da obra fazem o detalhamento dos diversos ambientes, desenhando como alfaiates que fazem roupa de alta costura, detalhando cada item, que será executado diretamente na obra.
Nossa mão de obra típica da construção civil não está qualificada para uma montagem do tipo “Lego”, onde praticamente ninguém sujas as mãos, pois a maior parte das peças já vem acabada.
Se observamos a montagem dos hospitais de campanha em São Paulo, percebemos que não aparecem os operários habituais na nossa construção, mas sim montadores, com furadeiras e outras ferramentas de montagem. Ou seja, em nossos hospitais de campanha estamos realizando construções a partir de itens prontos e reduzindo assim, o tempo de “obra” à semelhança dos chineses, talvez ainda não tenhamos atingido o mesmo ritmo!

3. Quais as principais dificuldades de uma obra hospitalar?
A maior dificuldade são as instalações, um hospital exige diversos sistemas de instalações complexas, desde os elementos de controle e combate a incêndio, que são absolutamente distintos de uma edificação comercial ou habitacional, até instalações que só existem nos estabelecimentos de saúde, como gases medicinais, vácuo clínico, etc… Sem falar da informatização, atualmente todos os hospitais utilizam recursos da informática nos seus processos assistenciais, alguns mais que outros, mas todos dependem de diversos sistemas, sendo o mais importante o HIS (Health Information System). Esses sistemas interligam todos os processos do hospital, gerando os prontuários de pacientes, controlando os custos, faturando, organizando a logística de apoio a assistência, simultaneamente gerando e fornecendo um sem fim de informações gerenciais. Tudo isso torna a obra hospitalar mais cara e mais complexa que qualquer outra obra do mesmo porte!

4. Construções pré-fabricadas são comuns na construção de hospitais brasileiros?
Não! Construir hospitais de campanha em campos de futebol é uma coisa, fazer um hospital num terreno urbano, acidentado é outra.
Construções pré-fabricadas dificilmente atendem às necessidades específicas das edificações hospitalares, na minha experiência profissional, fizemos várias tentativas de utilizar peças disponíveis no mercado da construção, mas o tamanho das peças disponíveis não atendem a necessidade do projeto hospitalar, a montagem tipo “lego”, se feita com vários pavimentos, não se mostra estável o suficiente para a operação hospitalar.
Se tivermos que fabricar as peças necessárias e ancorá-las para ter a estabilidade necessária a construção se tornará, nas condições atuais da indústria da construção, muito mais cara que a convencional.